sábado, janeiro 20

BITKIDS: viajando no Submarino Amarelo!

Pois é, pessoal, estou feliz: consegui baixar esses dias o CD do Bitkids, na íntegra. Levou algum tempo de procura, e uma certa paciência esperando o “wishlist” do SoulSeek funcionar – sim, eu amo esse programa, ele revolucionou minha vida de uma maneira muito positiva – mas finalmente encontrei alguém com os arquivos e baixei o disquinho, feliz da vida. Estava ouvindo ele pela terceira vez agorinha há pouco, logo antes de começar a escrever esse negócio aqui, e me divertindo horrores.

O que é o Bitkids? Bom, para quem não sabe, trata-se de um conjunto infantil que se dedicava exclusivamente a fazer releituras de temas clássicos dos Beatles. Cantavam em português, substituindo as letras em inglês originais por versões bem bobinhas e pueris (melhores que as releituras do Nenhum de Nós, de qualquer modo, mas enfim) e conseguiram lá a sua repercussãozinha na metade dos anos 90, tendo até aparecido no Domingo Legal em uma ou duas oportunidades. Os Bitkids eram Júnior, Freddy, Ricardo e Wei, e tinham certos cuidados na homenagem aos ídolos, como usar cortes de cabelo, vestimentas e instrumentos semelhantes aos de John, George, Paul e Ringo, respectivamente. O único CD saiu em 1996, mas deve ter vendido menos do que os empresários do grupo mirim esperavam, pois é item razoavelmente complicado de achar hoje em dia.

Eu ouvi essa pérola ano passado, lá nas dependências do Dacom (o diretório acadêmico da Comunicação da UFRGS, para quem não sabe). Não lembro quem trouxe a preciosidade, mas foi uma das audições mais engraçadas que fiz em muito tempo. Dá até para dizer que “Gente Demais” (uma versão fabulosa de “Ticket to Ride”) e “Submarino Amarelo” (óbvia, essa) viraram hits instantâneos para os presentes, sendo cantadas em coro até hoje por alguns de nós. As letras, como dito, eram bobinhas ao máximo, a voz de Júnior é esganiçada e meio fora de tom, e toda a obra tinha um clima ingênuo e meio brega que era simplesmente contagiante. Dia desses a Judite, sempre com uma bela memória, me lembrou dessa preciosidade, e lá fui eu catar os mp3, e tentar descobrir mais sobre os rapazes.

Interessante que é meio complicado achar informações dos Bitkids na Web. Pelo que eu consegui descobrir, eles estavam fazendo shows até 2001 pelo menos, embora na época já tivessem se “vendido” e desatado a incluir músicas próprias no repertório. Depois, sabe como é, eles cresceram e resolveram fazer coisas diferentes de suas vidas. Ricardo, o Paul do Bitkids, foi o que melhor se deu no mundo da música, e hoje toca baixo e faz backing vocals no Ultraje a Rigor, vejam só. O Fred, pelo que pude notar, se viu envolto em boatos, e chegou a se dizer por aí que ele tinha casado com uma filha de John Lennon (!) e estava morando no exterior. Seria no mínimo engraçado (para não dizer surpreendente), mas não acho que seja verdade – aparentemente, ele e Wei estão tocando junto com o pai de Fred em uma banda de covers por aí. Mas, vai saber, às vezes a vida é mais fantástica que a ficção... Quem sumiu, mesmo, foi o Júnior, o líder do Bitkids. Ele chegou a tocar por um tempo junto com o Ricardo em outra banda tributo ao Beatles (chama BeatSoulEver, e que teria tocado até no Cavern Club em Londres), mas aparentemente ele deixou o grupo e boatos de Orkut dizem que o rapaz virou garçom e hoje está curtindo um pagode. Espero, de coração, que seja ironia – na verdade acho que é, de qualquer modo.

Enfim. O negócio é engraçado, e é por isso que estou falando dele por aqui. Mas não é um engraçado de tosco, de porco, de mal feito – na verdade, ele parece mais ingênuo do que qualquer outra coisa. Como não ter simpatia por um moleque vestido de John Lennon, cantando desafinadamente o refrão de “Ticket to Ride” como se fosse “Havia gente demais / para namorar”? Como não se divertir horrores com uma “Twist and Shout” transformada em “Chegue Mais, Baby”, descrevendo uma festinha de moleques em um apartamento e ostentando versos de pura poesia como “vou arrastar o sofá”? E, a bem da verdade, diga-se que os moleques tocavam direitinho e que Ricardo, já naqueles tempos, era um baixista de inegável futuro – sério, palavra de baixista, o guri tinha jeito para a coisa. Era um projeto meio bobo, mas que foi pioneiro no mundo – sério, em mais de um lugar li estrangeiros fãs dos Fab Four dizendo que o Bitkids foi a primeira banda mirim especializada em fazer covers de Beatles de que se tem notícia. E acho que é a soma disso que faz tudo ser divertido para mim – esse pioneirismo ingênuo, essa vontade quase infantil de fazer alguma coisa legal e divertida com os amigos, essa desconstrução quase acidental de músicas que já estamos carecas de ouvir e conhecer. Claro que de ingênuos os empresários dos guris não tinham nada, e devem ter forrado as carteiras com as aparições nos programas do Faustão e do Jô Soares. Mas, o que vocês querem que eu diga? Em seu humor involuntário simples e cativante, os Bitkids são uma das coisas mais divertidas que eu ouvi nos últimos tempos, e vão ficar um bom tempo ainda entre as opções de disco do meu Media Player.

sexta-feira, janeiro 12

A roleta e a distância

Enquanto voltava de ônibus para casa hoje, no fim da manhã, me ocorreu uma constatação simples que exemplifica bem o quanto o mundo se esforça para cada vez mais afastar as pessoas umas das outras. Nada muito extraordinário ocorreu, na verdade: simplesmente um senhor, lá perto dos seus 50 anos, encaminhou-se para descer do ônibus e, assim que a porta abriu, soltou um não muito alto mas ainda assim nítido 'obrigado' antes de sair do coletivo e se aventurar na vida lá fora. Eu estava sentado bem perto da porta, e me peguei totalmente admirado diante desse simples e singelo gesto de civilidade. Estranhei a mim mesmo - afinal, ele só agradeceu, o que há de mais nisso? Daí, comecei a pensar nas roletas dos ônibus, e acabei percebendo o porquê da minha surpresa.

Explico. Antigamente, as roletas ficavam atrás, no fundo do ônibus, e as pessoas subiam pela porta de trás. O que acontecia: a pessoa subia, passava a roleta e avançava pra se acomodar na frente do veículo. Os lugares de trás, logo antes da roleta, eram geralmente escolhidos pelos mais jovens: lembro que quando eu era moleque, tipo uns doze ou treze anos, me achava o mais delinqüente só porque eu e meus amigos nos espremíamos no banco do fundo e ficávamos fazendo barulho e falando besteiras. Bons tempos mas, enfim, falo mais detidamente disso em outra ocasião. A questão é que, quando a pessoa descia do ônibus pela frente, acabava ficando bem próxima do motorista, e isso servia de incentivo para os mais educados agradecerem o 'chofer' pela viagem (geralmente) sem incidentes. Eu mesmo fiz isso várias vezes, quando fiquei mais velho e perdeu a graça brincar de guri rebelde.

No entanto, o que aconteceu? Tempos depois, mudaram as roletas para a frente do ônibus, medida tomada supostamente para melhorar o fluxo de passageiros, diferenciar mais claramente a área específica para passageiros especiais e aumentar a segurança da viagem. Com isso, passamos todos a subir pela frente do ônibus, bem à vista do motorista, e descer por trás, permitindo que o busão se livre de nós bem rapidinho e siga viagem. E daí?, você pergunta. Daí que - percebam o detalhe - o passageiro que desembarca ficou distante dos profissionais em serviço no ônibus. Os dois ficam lá na frente, e tu desembarca do outro lado. Resultado: a pequena gentileza antes do desembarque ficou completamente desestimulada - afinal, com a distância criada, só erguendo a voz bem alto para se fazer ouvir, e poucos submetem-se ou se dispõem a esse pequeno constrangimento em prol de algo tão pouco valorizado quanto uma gentileza. Percebi com surpresa que era a primeira vez em muito tempo (possivelmente anos) que eu via alguém se dar ao trabalho de agradecer a viagem em um coletivo urbano. E devia fazer tempo para o cobrador também, pois ele nem conseguiu responder: ficou olhando, com cara de quem tinha acabado de ver algum punk vestido de modo muito esquisito.

Vejam só: uma simples mudança de posição das roletas nos ônibus colaborando para a desumanização dos relacionamento interpessoais em uma grande metrópole. Fiquei pensando em como era triste que um gesto como o do senhor que acabara de descer fosse visto com tanta surpresa - e também em como era triste perceber que eu mesmo era vítima dessa desumanização, em níveis que eu muitas vezes nem percebia ou demorava eras para perceber. Pensei um pouco nessas coisas, e depois coloquei os fones de ouvido. Fiquei ouvindo um som, distante de tudo, no calor impessoal de um dia de semana porto alegrense.

quarta-feira, janeiro 10

YouTube bloqueado: algo tem que ser feito!

Peço desculpas por usar esse espaço para esse tipo de campanha, mas me parece um assunto muito sério e que requer a tomada de posicionamento.

Como vocês já devem saber há algum tempo, o acesso ao YouTube está sendo bloqueado no Brasil. A decisão da Justiça de São Paulo atende ao pedido de Daniela Cicarelli, modelo-manequim-atriz-apresentadora que teve recentemente cenas de um ato sexual perpetrado com o namorado numa praia espanhola espalhadas pela Web. Alegando invasão de privacidade e dano à imagem pública, ela processou alguns sites especializados em vídeos para tirarem do ar a material constrangedor. O YouTube aparentemente não colaborou tanto quanto ela e seus advogados gostariam, e a solução encontrada foi bloquear o acesso ao vídeo pelo site - o que só pode ser feito com segurança bloqueando o site inteiro.

Estou desde sábado de tarde sem conseguir acessar normalmente o YouTube. Uso o site não só para lazer, mas profissionalmente também - afinal, trabalho com vídeo e tenho até material meu disponibilizado por lá. Graças à genialidade de uma alpinista social e da mente iluminada de algum desembargador, não posso mais acessar um dos domínios mais emblemáticos quando o assunto é vídeo na Internet.

A questão é muito séria. Essa decisão estapafúrdia e delirante nos iguala ao Irã e à China, países criticados internacionalmente pelo cerceamento que fazem ao acesso dos cidadãos à Internet. Além disso, abre um precedente poerigosíssimo, gerando jurisprudência em um assunto que requer o máximo de cuidado. Trata-se, simplesmente, de CENSURA PRÉVIA - sob a alegação de que o acesso a um material ilegal deve ser vedado, bloqueia-se o acesso a todo o conteúdo. Se essa situação se perpetuar, logo podemos ter acesso negado a coisas muito mais sérias - e, de mais a mais, pensar que é a atitude de uma pessoa irresponsável flagrada pelas câmeras em atentado ao pudor que nos coloca à beira de uma situação absurda dessas é tragicômico, para dizer o mínimo.

Eu manifesto aqui não só meu repúdio, como meu boicote completo a essa situação. Primeiramente, é possível acessar legalmente o YouTube: a decisão da justiça não especifica a ilegalidade de navegação do site, mas somente a de acesso ao vídeo proibido. Assim, basta utilizar um proxy internacional e acessar o YouTube sem maiores problemas. Abaixo, um link do Linux Brasil que ensina como fazer isso no Firefox e no Opera:

http://br-linux.org/linux/bloqueio-como-acessar-youtube-censurado

Se optar por essa solução, lembre-se sempre de desabilitar o proxy após navegar no site - pois ele é totalmente monitorado, e mesmo senhas pessoais ficam registradas no log do mesmo. Há quem diga que simplesmente substituindo o 'www' por 'www2' ou 'www3' o acesso é possível - eu tentei e não consegui, mas de repente vocês têm mais sorte do que eu. Diz-se também que o uso do Google Accelerator (http://webaccelerator.google.com) funciona, mas esse eu não testei ainda.

Outra atitude - a qual eu sugiro a todos com entusiasmo - é o boicote à Daniela Cicarelli e aos produtos que ela vende ou dos quais ela participa. Há forte campanha pelo boicote às lingeries Hope (que tem a cidadã como garota-propaganda) e à MTV. Emails de protesto podem ser enviados a mtv.responde@mtvbrasil.com.br , e minha decisão é não consumir nada relacionado à MTV (programação de TV ou site, revista e demais artigos de merchandising) enquanto meu acesso ao YouTube não for regularizado.

A decisão judicial ainda está sustentada em liminar, de modo que logo o mérito deve ser julgado. Pessoalmente, duvido muito que as instâncias superiores do Poder Legislativo permitam a continuidade dessa aberração, que agride inclusive o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que se refere à circulação livre de informações. De qualquer modo, a mobilização é fundamental na minha opinião, porque mexeram com uma coisa muito mais séria do que vídeos de sacanagem e domínios de Internet: a liberdade de acesso à informações, um dos pilares fundamentais de toda a atividade da Web e um dos principais motivos para ela ter tamanho potencial revolucionário.

Desculpem novamente esse tipo de manifestação, mas achei importante que ela fosse feita. Voltamos agora à programação normal.

ATUALIZAÇÃO: desde o início da tarde dessa terça feira, o YouTube voltou a seu funcionamento normal, e está novamente acessível sem restrições para os usuários brasileiros. A decisão veio em forma de liminar, e contou com o apoio do próprio desembargador responsável pela medida inicial, que considerou o texto final da primeira liminar "dúbio" e optou por revisar o processo. De qualquer modo, não é algo definitivo, e já se acenou com a possibilidade de uma nova "suspensão provisória" dos serviços do YouTube, que poderia durar "30 dias ou mais", até que todos os vídeos da modelo-manequim-atriz-apresentadora fossem retirados do ar. Seguimos atentos, e sigo sugerindo as medidas descritas no post acima - ou seja, ele vai continuar aí mesmo onde está, por enquanto.

quinta-feira, janeiro 4

Sobre a chuva em Porto Alegre

Na minha rua tem um rio. Não sei se vocês sabem.

Bom, não é bem um rio, na verdade. Como explicar? Bem, vou explicando a vocês que moro num condomínio que era para ser fechado, mas não é: graças à genialidade da nossa prefeitura, o caminho foi aberto e hoje até caminhão e linha de lotação passa por aqui. Seja como for, a rua é de paralelepípedos, e as bocas de lobo são ao estilo antigo – aquelas que entopem mesmo, sabem? Vocês devem conhecer. Então, mesmo não sendo uma rua em baixada, basta vir uma chuva mais forte e – vejam só! – lá está o Arroio passando bem em frente da minha casa. Uma água bem marrom, um cheiro bem de esgoto, coisa linda de se ver.

Hoje, depois de uma onda terrível de calor (quem está ou estava em Porto Alegre sabe), eis que finalmente o céu parou de ameaçar e resolveu desabar de vez sobre nossas cabeças. Depois de um dia tranqüilo e divertido (trabalho de manhã, algumas compras que devem render algumas postagens em futuro próximo de tarde), chego em casa feliz da vida e, tão logo ponho meus pés no aconchego escaldante do lar, cai o toró. Em um primeiro momento, lamentei: que droga, porque não choveu enquanto eu tava na rua? Ia adorar tomar um caldo depois de mais de uma semana de tormento. Mas logo o que era chuva virou dilúvio e acabei dando graças aos céus por estar em casa, vendo tudo pela janela entre uma frase e outra no MSN.

Poucas vezes o rio esteve tão, digamos, caudaloso quanto hoje. Em questão de minutos, surgiu um rio de dar inveja ao Tietê, tanto em volume quanto em coloração. Quer dizer, eu imagino, posto que nunca visitei SP e do Tietê só conheço a fama – mas enfim, vocês devem ter entendido a analogia meio grosseira. A água tomou conta da rua, das calçadas, dos jardins do meu prédio e do prédio em frente e, finalmente, chegou à conclusão de que não era suficiente e resolveu inundar também as entradas dos prédios em si. Carros pararam no meio da rua e tiveram que ser arrastados, outros foram forçados a dar ré porque não tinham como passar. Pessoas voltaram para casa do trabalho com água até perto dos joelhos, e os bueiros transbordaram, trazendo à tona não só um monte de lixo como uma fauna, digamos, desagradável. Os vizinhos de baixo tiveram que fechar as janelas e, bem, não vou entrar em detalhes porque vocês são pessoas legais que não me fizeram nada de mal e não merecem, mas não foi bonito. Não mesmo. Dei graças aos céus por morar no terceiro andar.

Mas não é disso que eu quero mesmo falar, e sim dos objetos que vi flutuando nesse riacho urbano que virou a frente do meu prédio. Fora as coisas que são, digamos, comuns nesse tipo de incidente (tipo pedaços de papelão, garrafas de plástico, folhas de árvores e todo o tipo de lixo), vi certos elementos um tanto insólitos, como um pé de chinelo rosa, um rato morto (deve ter sido água demais, que descanse em paz), uma placa de carro, um guarda chuva aberto e sem sinais de estar estragado e uma lâmpada fluorescente que, curiosamente, não estava quebrada. Mas o que mais me impressionou nem foram essas coisas, e sim um pequeno objeto branco e frágil que vi descendo a rua, em um momento em que ninguém falava comigo no MSN e resolvi dar uma olhadinha mais atenta.

Um barquinho de papel. Um singelo, simples e bem construído barquinho de papel, descendo de modo gracioso aquela correnteza fétida e mesmo assim mantendo um ar que eu qualificaria como de dignidade absoluta - não fosse o objeto, afinal de contas, um barco de papel. Não faço idéia de quem o fez, ou de onde começou sua jornada, mas foi singrando as águas turvas sem hesitação, como se a rua inundada fosse um oceano e suas dobras de papel a proa e a popa de uma embarcação acostumada às intempéries do mar revolto. Fiquei ali, admirado, testemunhando essa travessia corajosa, que veículos automotores desistiam de fazer mas aquele pedaço de papel encarava sem pensar duas vezes. Assim foi o barquinho, desviando das coisas sujas e podres que cruzavam seu caminho - e, pasmem, dobrou com graça a esquina, como se guiado por timoneiro vigoroso, e sumiu da minha vista em ritmo acelerado.

Um barquinho de papel. Meu Deus, até em inundação urbana a gente pode encontrar um pouco de poesia.

Encontre o Criador

  • Natusch
  • Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil
  • Eu não pinto a minha barba.
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