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O homem na frente do Madre Pelletier

Ônibus. Voltando para a casa, depois de longo dia de trabalho e antes de curta e um tanto frustrante incursão no mundo cada vez menos atrativo das festas pseudo-fabicanas. Calor, muito calor. Cabeça enconstada no vidro, pensando num banho rápido, na primeira e única refeição minimamente decente do dia e torcendo ingenuamente por um mínimo de músicas decentes na festa em que eu iria horas depois. Como todos os dias, o ônibus que pego passa na frente do Madre Pelletier. Um trajeto comum, de uma viagem comum, de um cotidiano banalizado e insensivelmente comum. O que não era nada comum era o homem parado de pé no meio da rua, olhando fixamente para uma das janelas gradeadas do presídio feminino.

Ele estava simplesmente parado ali, entendem? Olhando para cima, alheio a tudo que não tivesse relação com seja lá o que fosse que o levava a ficar naquela posição. Tinha um daquelas sacos de papel de supermercado na mão, que usava à guisa de sacola, e vestia uma calça de abrigo que um dia fora azul e uma camiseta que um dia deve ter sido branca e tido algum tipo de estampa colorida. Uma pessoa marginal, não no sentido de ser um bandido, mas sim de ser um ser humano que trazia em si os traços de uma vida vivida à margem, na privação e na falta de perspectivas. Uma pessoa simplesmente parada lá, olhando para a janela gradeada do Madre Pelletier, sem admitir interrupções, sem desviar o olhar. E essa simples visão foi uma das coisas mais singelamente bonitas que vi em muito, muito tempo.

Não tinha ninguém dependurado na janela. Se ele olhava para cima buscando ver uma esposa ou namorada, estava certamente fracassando, pois não havia ninguém para ser visto. E ainda assim, fiquei com a impressão de que era isso mesmo - que aquela pessoa, humilde de uma maneira que só a pobreza ensina a ser, estava em busca da visão de alguém a quem queria bem, e que a circunstância ocasional de essa pessoa não estar visível era frágil demais para detê-lo na observação. Aguardava, certamente, que ela surgisse, e pelo que me pareceu aguardaria até o fim do universo se fosse preciso.

Não vi o final desse pequeno drama urbano: o ônibus não foi nada paciente, e tão logo as pessoas que embarcavam desistiram de seguir embarcando, tomou seu rumo sem espaço para observações pueris. O homem sumiu da minha vista ainda olhando, ainda concentrado, ainda digno em sua espera sem concessões. Invejei o homem, admito: porque ele sabia o que queria, e admitia esperar pelo que fosse para que tudo chegasse ao fim da melhor maneira. Quantos de nós podem dizer que têm esse tipo de certeza?

Bonito!

Sim. Muito bonito.

Velho, isso me fez lembrar dos meus tempos de criança, quando às vezes eu sentava na escadaria de uma casa onde morei em Camaquã e ficava esperando alguém. Não me importava quem, mas esperava alguém.

Não dá nem pra sentar na pedra e pensar hoje, de tão rápido que as coisas passam e pedem pra gente passar junto. Comecei a invejar esse homem também.

Isso lembra meu pai, abanando pro ônibus que me traz pra poa, muito, mesmo qd eu não estou visível a janela.

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