Sobre a chuva em Porto Alegre
Na minha rua tem um rio. Não sei se vocês sabem.
Bom, não é bem um rio, na verdade. Como explicar? Bem, vou explicando a vocês que moro num condomínio que era para ser fechado, mas não é: graças à genialidade da nossa prefeitura, o caminho foi aberto e hoje até caminhão e linha de lotação passa por aqui. Seja como for, a rua é de paralelepípedos, e as bocas de lobo são ao estilo antigo – aquelas que entopem mesmo, sabem? Vocês devem conhecer. Então, mesmo não sendo uma rua em baixada, basta vir uma chuva mais forte e – vejam só! – lá está o Arroio passando bem em frente da minha casa. Uma água bem marrom, um cheiro bem de esgoto, coisa linda de se ver.
Hoje, depois de uma onda terrível de calor (quem está ou estava em Porto Alegre sabe), eis que finalmente o céu parou de ameaçar e resolveu desabar de vez sobre nossas cabeças. Depois de um dia tranqüilo e divertido (trabalho de manhã, algumas compras que devem render algumas postagens em futuro próximo de tarde), chego em casa feliz da vida e, tão logo ponho meus pés no aconchego escaldante do lar, cai o toró. Em um primeiro momento, lamentei: que droga, porque não choveu enquanto eu tava na rua? Ia adorar tomar um caldo depois de mais de uma semana de tormento. Mas logo o que era chuva virou dilúvio e acabei dando graças aos céus por estar em casa, vendo tudo pela janela entre uma frase e outra no MSN.
Poucas vezes o rio esteve tão, digamos, caudaloso quanto hoje. Em questão de minutos, surgiu um rio de dar inveja ao Tietê, tanto em volume quanto em coloração. Quer dizer, eu imagino, posto que nunca visitei SP e do Tietê só conheço a fama – mas enfim, vocês devem ter entendido a analogia meio grosseira. A água tomou conta da rua, das calçadas, dos jardins do meu prédio e do prédio em frente e, finalmente, chegou à conclusão de que não era suficiente e resolveu inundar também as entradas dos prédios em si. Carros pararam no meio da rua e tiveram que ser arrastados, outros foram forçados a dar ré porque não tinham como passar. Pessoas voltaram para casa do trabalho com água até perto dos joelhos, e os bueiros transbordaram, trazendo à tona não só um monte de lixo como uma fauna, digamos, desagradável. Os vizinhos de baixo tiveram que fechar as janelas e, bem, não vou entrar em detalhes porque vocês são pessoas legais que não me fizeram nada de mal e não merecem, mas não foi bonito. Não mesmo. Dei graças aos céus por morar no terceiro andar.
Mas não é disso que eu quero mesmo falar, e sim dos objetos que vi flutuando nesse riacho urbano que virou a frente do meu prédio. Fora as coisas que são, digamos, comuns nesse tipo de incidente (tipo pedaços de papelão, garrafas de plástico, folhas de árvores e todo o tipo de lixo), vi certos elementos um tanto insólitos, como um pé de chinelo rosa, um rato morto (deve ter sido água demais, que descanse em paz), uma placa de carro, um guarda chuva aberto e sem sinais de estar estragado e uma lâmpada fluorescente que, curiosamente, não estava quebrada. Mas o que mais me impressionou nem foram essas coisas, e sim um pequeno objeto branco e frágil que vi descendo a rua, em um momento em que ninguém falava comigo no MSN e resolvi dar uma olhadinha mais atenta.
Um barquinho de papel. Um singelo, simples e bem construído barquinho de papel, descendo de modo gracioso aquela correnteza fétida e mesmo assim mantendo um ar que eu qualificaria como de dignidade absoluta - não fosse o objeto, afinal de contas, um barco de papel. Não faço idéia de quem o fez, ou de onde começou sua jornada, mas foi singrando as águas turvas sem hesitação, como se a rua inundada fosse um oceano e suas dobras de papel a proa e a popa de uma embarcação acostumada às intempéries do mar revolto. Fiquei ali, admirado, testemunhando essa travessia corajosa, que veículos automotores desistiam de fazer mas aquele pedaço de papel encarava sem pensar duas vezes. Assim foi o barquinho, desviando das coisas sujas e podres que cruzavam seu caminho - e, pasmem, dobrou com graça a esquina, como se guiado por timoneiro vigoroso, e sumiu da minha vista em ritmo acelerado.
Um barquinho de papel. Meu Deus, até em inundação urbana a gente pode encontrar um pouco de poesia.
Bom, não é bem um rio, na verdade. Como explicar? Bem, vou explicando a vocês que moro num condomínio que era para ser fechado, mas não é: graças à genialidade da nossa prefeitura, o caminho foi aberto e hoje até caminhão e linha de lotação passa por aqui. Seja como for, a rua é de paralelepípedos, e as bocas de lobo são ao estilo antigo – aquelas que entopem mesmo, sabem? Vocês devem conhecer. Então, mesmo não sendo uma rua em baixada, basta vir uma chuva mais forte e – vejam só! – lá está o Arroio passando bem em frente da minha casa. Uma água bem marrom, um cheiro bem de esgoto, coisa linda de se ver.
Hoje, depois de uma onda terrível de calor (quem está ou estava em Porto Alegre sabe), eis que finalmente o céu parou de ameaçar e resolveu desabar de vez sobre nossas cabeças. Depois de um dia tranqüilo e divertido (trabalho de manhã, algumas compras que devem render algumas postagens em futuro próximo de tarde), chego em casa feliz da vida e, tão logo ponho meus pés no aconchego escaldante do lar, cai o toró. Em um primeiro momento, lamentei: que droga, porque não choveu enquanto eu tava na rua? Ia adorar tomar um caldo depois de mais de uma semana de tormento. Mas logo o que era chuva virou dilúvio e acabei dando graças aos céus por estar em casa, vendo tudo pela janela entre uma frase e outra no MSN.
Poucas vezes o rio esteve tão, digamos, caudaloso quanto hoje. Em questão de minutos, surgiu um rio de dar inveja ao Tietê, tanto em volume quanto em coloração. Quer dizer, eu imagino, posto que nunca visitei SP e do Tietê só conheço a fama – mas enfim, vocês devem ter entendido a analogia meio grosseira. A água tomou conta da rua, das calçadas, dos jardins do meu prédio e do prédio em frente e, finalmente, chegou à conclusão de que não era suficiente e resolveu inundar também as entradas dos prédios em si. Carros pararam no meio da rua e tiveram que ser arrastados, outros foram forçados a dar ré porque não tinham como passar. Pessoas voltaram para casa do trabalho com água até perto dos joelhos, e os bueiros transbordaram, trazendo à tona não só um monte de lixo como uma fauna, digamos, desagradável. Os vizinhos de baixo tiveram que fechar as janelas e, bem, não vou entrar em detalhes porque vocês são pessoas legais que não me fizeram nada de mal e não merecem, mas não foi bonito. Não mesmo. Dei graças aos céus por morar no terceiro andar.
Mas não é disso que eu quero mesmo falar, e sim dos objetos que vi flutuando nesse riacho urbano que virou a frente do meu prédio. Fora as coisas que são, digamos, comuns nesse tipo de incidente (tipo pedaços de papelão, garrafas de plástico, folhas de árvores e todo o tipo de lixo), vi certos elementos um tanto insólitos, como um pé de chinelo rosa, um rato morto (deve ter sido água demais, que descanse em paz), uma placa de carro, um guarda chuva aberto e sem sinais de estar estragado e uma lâmpada fluorescente que, curiosamente, não estava quebrada. Mas o que mais me impressionou nem foram essas coisas, e sim um pequeno objeto branco e frágil que vi descendo a rua, em um momento em que ninguém falava comigo no MSN e resolvi dar uma olhadinha mais atenta.
Um barquinho de papel. Um singelo, simples e bem construído barquinho de papel, descendo de modo gracioso aquela correnteza fétida e mesmo assim mantendo um ar que eu qualificaria como de dignidade absoluta - não fosse o objeto, afinal de contas, um barco de papel. Não faço idéia de quem o fez, ou de onde começou sua jornada, mas foi singrando as águas turvas sem hesitação, como se a rua inundada fosse um oceano e suas dobras de papel a proa e a popa de uma embarcação acostumada às intempéries do mar revolto. Fiquei ali, admirado, testemunhando essa travessia corajosa, que veículos automotores desistiam de fazer mas aquele pedaço de papel encarava sem pensar duas vezes. Assim foi o barquinho, desviando das coisas sujas e podres que cruzavam seu caminho - e, pasmem, dobrou com graça a esquina, como se guiado por timoneiro vigoroso, e sumiu da minha vista em ritmo acelerado.
Um barquinho de papel. Meu Deus, até em inundação urbana a gente pode encontrar um pouco de poesia.
Esse, eu peguei saindo do forno.
Em frente a casa dos meus pais, em Minas, na rua antes de paralelepípedos, a chuva forte sempre causava o mesmo...inundação. Há anos atrás, tudo que entupia os bueiros eram ramas, ramos, e muitas, muitas flores e folhas das árvores [a maioria ipês roxos e amarelos] da rua. Eu sempre adorei as tempestades. A ponto de minha mãe se render e "largar mão" deixar-me "nadar" [sim, nadar] na enxurrada. Na adolescência eu caçava a chuva. Guarda-chuvas é objeto usado por mim só quando estou em direção ao trabalho, até hoje. Fora que é uma arma, isso sim, furando olhos alheios.
Incrível como o "seu" simples e pequeno barquinho de papel conseguiu me levar tão longe...Adorei.
*Um sorriso*
Posted by
Anônimo |
3:23 PM
Palmas pra espirituosidade de quem colocou o barquinho no mundo.
Posted by
Anônimo |
3:46 PM
belíssimo.
Posted by
Anônimo |
10:48 AM